quarta-feira, 10 de março de 2010

Sessão dezenove.



O que a memória ama, fica eterno.
Te amo com a memória, imperecível.
(Adélia Prado)



Falta vontade. Falta tanto. Tanta falta. Falta de tanta coisa que agora eu nem sei mais se está lá. Quer dizer: não está. Nada tem lugar, nenhum lugar tem nada. Tautologias ou impossibilidades? Desconheço o que não me encanta; só me encanta o que desconheço. Circularidade, circos. Palhaça de mim mesmo. Mímica de palavras inexistentes. Adjetivar  é não ter nada pra dizer. Substantivo o que sinto: parede, água, abismo. Indicadores de não-vida: televisão, textos, tragédias mínimas do cotidiano. Minimalismo emocional: sentir mais com as mãos que com esperas. 

O cabelo num coque. Cortar o cabelo pela raiz. Cortar o sorriso pela raiz. Erva-daninha, essa vontade que gruda e que se alimenta do que eu não posso ser. Escárnios do espelho. Revolver espasmos, desconhecer paixões. Do que eu não sou eu não entendo. O que sou me simula. Holograma. Automatismos, econometrias, f(x) = fluxos. Viver, estimar variáveis, prever resultados, exaltar Descartes. Descartada, imóvel num tempo fluido. Depressão abaixo da base. Escondo as olheiras. Colheradas de futuro, três ao meio-dia. Rímel, levantar os cílios, vontade de enfiá-los dentro dos olhos. Que a cegueira aumente, que aumente rápido. Que a rapidez destrua o que não a compreende, aquilo que olha pro eterno e não vê Deus: vê o homem, vê rugas e passos lentos. 

Quero envelhecer rápido pra entender a estupidez da pressa, pra esquecer memórias que eu mesmo inventei por descuido, por um dia ter cuidado do que não existe com a dedicação do pai frente à lápide do filho. Leva flores e ainda pede para ler seu caderno. Reclama baixinho pra ele da toalha molhada que ficou em cima da cama. A toalha nunca vai secar: acolhe todos os dias as suas lágrimas. Planos que falham, vidas que falham, o acaso é terrorista. Não ataca à espera de virgens. Mata para arrancar com sangue o hímen de cada esperança, de cada expectativa que delineie sorrisos. Estupra tudo que valha sentir, mutila o que nos preserva humanos. Preservar a distância, o distanciamento, a falta de contato - preservativos. Sabor artificial de frutas: artífices da pós-modernidade.