terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Sessão dezessete.

Sempre me falta coragem. Todos os dias. Incapaz de chegar ao fim, como escritores ruins. Merda de vida. Juro que desde ontem tô com uma vontade incessante de vomitar. Odeio tudo hoje. Tenho doze anos e queria morar sozinha, no meio de uma cidade esquecida no calcanhar do mundo. Não ia ter ninguém pra amar, e tudo doeria tão menos. Não teria nada tão enfadonho pra estudar, e eu não estaria com essa náusea que não passa. Devo estar grávida de um futuro podre. Vai nascer prematuro, amanhã.

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Sessão dezesseis?

Se eu fosse RHYKA e PODEROZA, ia curtir minha fossa em um lugar bem glam, tipo a novela das oito, chorar champanhe e comprar cinquenta novos pares de sapato, mesmo que a minha índole, que uns chamam alma, de pobre transformasse os cinquenta pares em vinte all star, vinte melissas e dez havainas.

Então o meu DIZESPERO seria um iate daqueles ancorados em Sardegna, que mudam de cor à noite, que nem o do Armani, e as minhas amigas me consolariam com pérolas e um novo creme à base de fígado de unicórnio clonado de um sonho da Sasha, e então eu faria uma SENA com meu rosto rejuvenescido e colocaria um silicone de cristais e diminuiria meu nariz com o Pitanguy. Claro que eu não saberia escrever muito bem, mas escrever é tão LAST CENTURY, porque é claro que eu manjaria bem inglês, eu e a minha DOULEUR caminhando cheia de sacolas pela Champs-Elysées, reencontrando AMYGAS e passando no shoppingzinho que tem perto da Zara, para entrar no Starbucks e pedir um hot white chocolate.

Mas com meus cinco pilas, compro uma barra de Milka na Americanas, coloco Moulin Rouge no cartão, débito, doze pilas, putz, vai faltar até o fim do mês, sempre falta, penso em como nunca mais seria bolsista se meu professor pensasse que eu tirei um 6 chorado em processo civil, em uma prova que se o vento batesse em um potinho de nanquim e ele se derramasse pela prova, teria grandes chances de gabaritá-la (até porque não precisaria desvendar os desígnios estranhos do fraseamento super sensato, com uma coerência lógica das mais apuradas, de meu justo e sábio professor).

 Aí penso na Cruz Vermelha e em como quando eu falar de Direito Humanitário Internacional (olhos cintilam!) para um grupo não-ator nos breus do Congo, poder impugnar ou não o despacho saneador em prazo quadrúplo porque há um litisconsórcio unitário e necessário com a Fazenda Pública será tão inútil (se possível, ainda mais do que já é). Lembro também do meu joelho e de como eu sinto falta de correr, cross country, 8 a 10km por dia nos EUA, uns 5km por dia por aqui e agora, nada. Se caminho, dói. Se tá pra chover, dói. Morri em Belo Horizonte, a Afonso Pena e as lombas tranquilas, com uma padaria deliciosa, ou uma Igreja Universal, em sua extensão. Mas aí que talvez eu não possa ser da Cruz Vermelha sem essa maldita rótula, e a minha fossa ainda sai por cinco pilas nas Americanas.

O dia acaba, os livros me encaram e meu rosto é uma página em branco. Das menos promissoras, de crise de inspiração de escritor ruim, e sem creme de fígado de unicórnios do sonho da Sasha. Meu nariz ainda é grande e meus peitos, minúsculos. Acompanham a dimensão do cérebro, (acho que ele caiu em uma fenda sináptica e nunca mais se recuperou).

sábado, 28 de novembro de 2009

Sessão quinze.

Its satuday, eight in the morning. Where are you?

Studying the due process of law, of course!

terça-feira, 24 de novembro de 2009

Sessão quatorze.

Onde é que foi parar a minha dedicação?

Página 19 do trabalho de contratos. Mais umas dez to go. Merda.

Se alguém falar em autonomia da vontade pra mim no próximo mês, vomito na hora.

Ah, sim, prova de comercial, e é claro que não tem nenhuma Lei das SA comentada na biblioteca,
ou nadateca, rs. Pudera, quem compraria uma Lei das SA comentada para a sua biblioteca? Quase melhor comprar Alencar, ou Machadão na sua fase romântica boring. Um diálogo entre Helena e Iracema seria mais divertido que essa maldita lei.

Mal tenho ação no meu cotidiano, quem dirá em bolsa. Quem dirá ações privilegiadas e aquele escambau de todas aquelas aulas que não assisti. Maldito twitter.

E depois vem constitucional, em que eu provavelmente vou rodar três vezes. Três vez. Sem plurais na aula.

Holy crap in a cracker, como diria a Penny. É, ao menos hoje BBT passa na Warner. ê.

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Sessão treze.

Como se bater no teclado e formar palavras desajeitadas pudesse alterar o que é só acaso. Tempo perdido é quando a gente esquece de dizer que ama, que somos grandes ostras gordas, e só algumas podem criar pérolas. As outras ficam machucadas pra sempre.

Queria a leveza das nuvens, que se juntam e vão embora e se chovem inteiras e ainda são. O carbono é tão solene. Se eu pudesse ser qualquer outra coisa, seria uma pequena gruta encravada nas montanhas da serra gaúcha. Resíduo da fé, da dominação cultural e do sotaque forte da Itália. Que vontade de experimentar todos os sotaques, beijar os sons com os lábios, tornar única a palavra cotidiana. Tenho tanto medo do que não vou ser. Guardo um pingo de coragem pro que serei.

Talvez seja uma lágrima.

Acaba, semana, acaba, por favor.

e ainda é segunda-feira.

sábado, 21 de novembro de 2009

Sessão doze.

Podia passar os dias vendo Big Bang Theory e comendo uma grande barra de chocolate, metade normal, metade meio-amargo. Grande plano de vida. 

Inveja do meu gato, completamente espalhado no sofá vermelho-bordô, dormindo, sem uma semana de provas e trabalhos pela frente. 

Mas de felino em mim, só o sono mesmo. 

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Sessão onze.

Às vezes faço coisas para não gritar, como contar essa história.
(Caio Fernando Abreu)

Parece que todo o avanço é espuma em alguns dias. Parece que espuma é só o que há, espuma fingindo a profundidade do mar. Quero me afogar e sobra-me areia sob os pés. Quantos textos já foram escritos sobre a espuma e o mar? Quantos desamores já foram vencidos com metáforas de mar e espuma? Sou péssima com a superação. Tanta gente se superando, superando os outros o tempo todo; eu, hipoando. Não superei os traumas da infância, todos os dias acho que qualquer outro espermatozóide teria feito trabalho melhor que eu.

Acho, de fato, que eu era um espermatozóide suicida: olhei aquela bolha e, desde lá não primando pela perspicácia, pensei que a colisão poria um fim à minha breve jornada. Mas a bolha cedeu e todos os outros espermatozóides, uns atléticos, outros lindos, uns geniais, quedaram-se pasmos, boquiabertos estariam, já tivessem uma fenda labial. O espermatozóide gordo e estúpido enfiado em um óvulo ainda mais gordo e estúpido. Desde lá, só faço ficar mais gorda e estúpida, o eterno retorno ao útero materno.

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Sessão dez.




(The Dream, 1978)

Chagall, poeta das cores. Tons pulsantes, o sol vermelho na noite parisiense. Posso passar horas olhando pra seus quadros, mesmo se só pela internet. Só o vi em Buenos Aires no original. Lindo. Mesmo. Queria muito ter essa habilidade de transformar o que eu sinto, o que eu nem sei que sinto, em algo belo. Duas guerras mundiais, uma revolução bolchevique e mesmo assim quadros de uma esperança que suplanta a paleta do artista, que tem uma força motora que não sei se já vi em alguma outra obra. Um pintor que não se ateve à nenhuma escola para que se ativesse a ele mesmo e à sua principiologia. Há algo fauvista, há algo simbólico na arte de Chagall. Mas, sobretudo, há Chagall na arte de Chagall, e isso é cada vez mais raro. 

Esse quadro, então, tem uma beleza tão ingênua, tão esplêndida. O artista que sonha o casamento, que sobrepaira a Cidade das Luzes, está acima de tudo, enquanto vislumbra seu sonho, estar com a pessoa amada, e a profusão de cores que isso evoca. Em um tempo de sentimentos fluidos e a necessidade de consumo, de objetos e de pessoas, é tranquilizante, é restaurador ver uma cena assim. Um homem, uma mulher, um sonho comum. Ninguém mais tem sonhos, oras, o certo é ter objetivos e uma meta cronológica objetiva de como alcançá-los. Mas não para o casal. Não para o pintor deitado sob o céu de Paris, sonhando, sonhando simples e puramente, quase um pecado pós-contemporâneo. 

Paris entardece mais colorida porque ainda existe o que ser sonhado. Se a figura do sonhador, hoje, abre espaço para a do career-headed, o sonho ainda abre espaço pro impossível, que é a pós-graduação do "objetivo-a-ser-alcançado-em-dez-anos-com-margem-de-erro-de-dois-anos-para-mais-ou-para-menos". Não sei se desaprendi o suficiente para poder sonhar, mas olho pra Chagall e sei que existe algo maior que qualquer plano de carreira, algo que não se traça no papel, que se entrelaça nos olhos e é vivo mais porque é sentido do que descrito. Uma pintura de um sonho que é mais poderoso que as tantas vidas de papel em que me despejo, e volto a ser mais retina que currículo, mais grito que idioma. 

Chagall mistura versos e cores na sua paleta, pincela emoções como quem mexe a sopa. Transborda, mas não se rende à pressa da colher. O infinito é um sonho que adormeceu.

terça-feira, 10 de novembro de 2009

Sessão nove.

Só sei ser feliz no passado. Aprendi cedo a cultivar histórias, mais que as viver. Talvez seja a mesma coisa. Ser feliz no ontem estático, ser feliz no hoje fluido. Sempre tinha uma história pra cada coisa que me acontecia na vida. Se eu tropeçava, a menina um dia se distraiu e tropeçou; se eu estava com fome, era uma vez um tigre que aproveitou a hora em que lhe traziam comida para escapar e voltar pra selva. Tinha mais timidez que imaginação aos sete anos, não me culpem pela falta de originalidade. Minha vida é meu tema predileto. Sempre guardei na boca tudo que me interessa dizer. Sou náufraga da minha saliva. 

Quero que me adivinhem por inteiro, mas sou só beiradas quando falo. Sou só beiradas quando sorrio. No meio do caminho, espero encontrar minhas próprias pegadas. Mas nunca estou onde me espero. Acho que nas sarjetas é que nasceu o assobio. O vento atrasado a gente chama de céu, depois do vinho vejo nuvens em desenhos. Minha palma da mão mostra mais passados que futuros. As linhas do rosto me dizem que vou ter uma vida rabiscada. Seria mais calma se escrevesse em arabescos, não desperdiçaria tanto o que sinto no que não sei dizer. 

Acho que os gatos não dormiriam tanto se tivessem uma vida só. Ou talvez vivam mais de tanto dormir. Talvez até sonhem. 

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Sessão oito.

Chorar rindo, aprendi contigo.

sábado, 7 de novembro de 2009

Sessão sete.

Os dias de chuva não são os piores, nem os mais doídos. Na chuva a gente se apertava bem forte e se escrevia bobagens nos vidros, todas as bobagens possíveis, todas as palavras na ponta dos dedos, os corações meio abobados, meu L entrelaçado no J dele. Gestos, filmes, seriados, a cama era o nosso parque de domingo nos dias de chuva. Caminhávamos pelos nossos corpos, familiares e enérgicos. Comíamos um da mão do outro, alimentávamos os pássaros dos nossos sorrisos com as migalhas de intimidade que iam caindo dos bolsos das nossas vozes. Eram fáceis os dias de chuva com ele, e ainda são fáceis os dias de chuva sem ele. Porque aí não dói lembrar. É só uma tristeza doce, a tristeza de quem sabe que teve algo muito muito valioso um dia, e que isso é tão raro que o ter tido importa muito mais que não o ter mais. Nunca brigamos nos dias de chuva. Nunca houve nada daquilo que houve tanto nos dias comuns, nos dias de sol, nas noites frias, nas noites quentes. Na chuva éramos cúmplices. Na chuva a gente se abraçava pra caber no mesmo guarda-chuva, a proximidade a gente inventava que era mais proteção que conforto. Na chuva era fácil não sair de casa, era fácil pular as poças de mãos-dadas e fingir danças entre os paralelepípedos. Uma comédia, uma fatia de bolo, uma fatia de tempo que era só nosso. O tempo que ninguém mais queria, o tempo de que todos reclamavam e que a gente reivindicava só pra nós. As nuvens escuras davam mais privacidade pros nossos beijos, e era tão fácil ser feliz na chuva. E hoje ainda é, porque hoje eu penso em como um dia foi tão fácil ser feliz na chuva, que fico sendo feliz de novo só por ter podido ser tão feliz em dias de chuva.

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Sessão seis.

Quero morrer, bem rápido, uma facada, um tiro, done. Não que eu vá me matar, que suicídio dá muito trabalho, a carta, a faca. Que faca, que nada. Me mataria com heroína. Um sono só. Um bom sono e fim, nada de sufocar, de esvair sangue, de encher os pulmões de água. Mas não sou dessa geração junkie bitch aí, não saberia onde encontrar heroína. Verdade. Maconha uma ou duas vezes, ano de cursinho, não sabia o que fazer da vida e muito menos o que não fazer. Mas passou. Sempre preferi o mais cômodo. E o mais cômodo é continuar vivendo. Uns choros, umas esperanças estupradas, uns ocasos, uns acasos, umas histórias bonitas e pronto, a vida vai se arrastando. Ontem no meu malfadado assalto, a única coisa que me meteu medo foi terem pegado meu computador, este aqui onde escrevo, onde toda a minha vida acadêmica (uns poucos MB, nada inteligente, nada surpreendente, nada bom) seria perdida e muito provavelmente trocada por duas pedras de crak. Me assustei pensando que provavelmente não valia muito mais que isso mesmo. Mas se ele realmente tivesse algo embaixo da camisa, grande coisa. Eu ando com uma faquinha de serra na mochila, porque o hold  do meu ipod estragou, e agora tá sempre sempre on, a menos que eu enfie a faquinha e fique horas tentando achar o lugar certo pra desativar o hold por segundos, só até selecionar brani casuali , porque deixo o ipod em italiano porque nunca mais falei italiano por aí, e é uma merda esquecer quatro anos de noites de aula de italiano só porque não tenho com quem praticar, e florença é tão linda, devia ser proibido não conhecer a língua de uma cidade tão linda. Dizem que Veneza, é, eu sei, mas Veneza não deu tempo de eu conhecer. Mas aí que eu tinha uma faquinha de serra, mas foi um assalto, ou quase-assalto tão bobo que nem deu tempo de pensar em usar a faca, bastou ir caminhando pro outro lado.

Queria que tudo na vida fosse assim tão simples como a escapar do meu assalto idiota: caminhar pro outro lado, mesmo que a rua esteja vazia, pô, logo na reitoria às onze da manhã. Mas às vezes não dá. Não dá pra caminhar pro outro lado e deixar o assaltante, o destino, a sorte, o que for meio desnorteado com a tua reação que na verdade é uma não-reação, uma negação assertiva, uma vontade enorme de não caminhar mais pra lugar algum. Queria nunca querer voltar atrás, onde assaltantes e faquinhas de serra me aguardam, mas o querer do cérebro e o querer do corpo são tão diferentes. O querer da memória mente que a faca podia ser uma colher, que a arma podia ser só um jeito diferente de luz. O querer do corpo quer o contato, o contato que eu não posso mais senão. Vocês sabem, agora eu choro se encostam um pouco mais em mim. Ainda choro se me abraçam. Confesso. Primeiro porque eu desaprendi; puf. Fico ali rígida entre os braços do abraçante e não sei mais como reagir, como fechar os braços, como pressionar, como abraçar alguém e não lembrar daqueles abraços apertados, abraços estranhos, abraços constantes, abraços e carinhos e afagos que ninguém pode tirar de mim, mas que eu não sei mais reproduzir, e acho que nunca vou.

Não tenho mais nada do que eu era, e o que eu era há mais tempo eu nem lembro mais, e agora eu fico pendendo em braços, sem saber como abraçar de volta, não consigo mais brincar ou sorrir sem uma amargura ou uma ansiedade viral, olhos vidrados e um riso maquinal, terrível, doentio. Impossível alguém me aguentar por mais de cinco minutos nos dias de hoje, eu sei. Não sei de mais nada. Não sei mais como ser o elo passivo de um assalto, me recuso a entrar no jogo. Caminho pro outro lado quando der, e se não der, se não der eu fico parada, imaginando que talvez fosse possível andar pra trás, que os retrocessos são avanços temporãs. Mas não falo mais nada. Fico quieta e tento escutar algo que faça sentido. Mas aí é que o coração bate acima de todos os sons, de todos os conselhos e sensatezes, e não ouço nada senão aquele ritmo doentio dizendo que as coisas da terra a gente resolve com as unhas sujas, não com o terno totalitário da razão.

Vou ver a peça da Clarice Lispector. Aquele sotaque é tão lindo que dói. Aquela escrita é tão linda que dói.
Beijos, analista hipotético. Me condena logo à loucura pra eu ter mais certezas.

sábado, 31 de outubro de 2009

Sessão cinco

Então espero. Espero que ele surja na porta, abra caminho entre os outros e venha até mim. Me pega pela mão e me leva pra fora dali, onde me beija um beijo grosso, um beijo farto. Sem nenhuma palavra, nenhum olhar demorado. Ele vem, me busca e me tira dali e me beija e as coisas estão todas acertadas. Todas as coisas pelo resto da minha vida estão bem acertadas. Mas ele não vai entrar por porta alguma e fazer meu dia ser tão melhor porque talvez um dia ele possa surgir. Um dia, enquanto ainda namorávamos, encontrei-o na rua por acaso. Depois disso, passei um ano com esperanças de que ele aparecesse em cada virar de esquina, em cada uma e nunca perdia a fé, mesmo que ele nunca tenha aparecido de novo. Mesmo que ele surgisse por esta porta, não viria em minha direção e, se porventura, viesse, eu não o deixaria me levar pela mão. Não posso mais.

Antes eu ainda podia pensar em retornos, nos dias em que eu me sentia mais devastada, mais agonizante, aí imaginava que a gente se encontrava e de repente os rostos rompiam aquela distância em que tudo passa a ser permitido e as bocas se beijavam e os braços se apertavam e o corpo inteiro tremia e o estômago explodia e era permitido sentir de novo.

Mas dessa vez não. Dessa vez ele proibiu qualquer pensamento que remetesse ao retorno. Deixou claro que não é possível. Se tu voltar, não falo mais contigo - alguém chegou a me dizer. Ele te tirou pra idiota, não deveria nunca mais falar com ele depois disso - outro aconselha; graças a deus, bailalaika sábado, ainda uns colocam. Ele tirou de mim até a cogitação de qualquer retorno.  Não, não pode se reencontrar o que não teve o devido fim que enseja o reencontro. É inviável. É idiota, é não ter o mínimo respeito por ti, foi a coisa mais egoísta do mundo, amigos comentam. Concordo. Ele foi definitivo em terminar comigo: acabou completamente, destruiu tudo, tudo que sobrava de auto-estima, de dignidade, de ingenuidade, de esperança e, por que não? de amor.

Quer saber mesmo? Te culpo. Sempre te culpo. Todos os dias. Por cada festa ruim a que tu me obriga a ir pra te esquecer mais rápido, por cada idiota com quem eu fico pra tirar teu gosto da minha boca, por cada dia que eu não tenho a mínima vontade de levantar de manhã, e são todos, e tu sabia o quanto eu gostava das manhãs; pela minha tentativa de fuga desesperada; pelo meu mau humor constante; por cada cacófono que tu me obriga a escrever, por cada noite em que eu choro no carro, voltando sozinha pra casa; por cada pessoa que se parece contigo e então arruina o meu dia inteiro por parecer contigo; por cada lembrança que não vai embora, mesmo depois do álcool, mesmo depois da minha língua bater em alguma outra; pelos traumas que ficaram, por eu não conseguir acreditar que as pessoas relamente possam querer me ver, por eu sempre achar que tudo que todo mundo diz é mais uma desculpa pra não passar o feriado comigo. Nenhum feriado comigo. De preferência nem meio fim-de-semana. Te culpo no mínimo vinte vezes por dia. Acho que é pra te ter sempre presente no meu tribunal.

(Prêmio consolação por não poder mais te ter ao meu lado). Te culpo por isso também.

sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Sessão 4

Hoje é muito um daqueles dias em que tudo que eu queria era chegar em casa e ganhar um abraço enorme de alguém que me dissesse que estava tudo bem, tudo bem, tudo bem, e depois dormíssemos apertado numa cama enorme, pra que a proximidade fosse mais opção que falta de. O ar-condicionado bem forte pra congelar angústias. Por uma noite, ao menos.

Mas não tem ninguém aqui. E acho que isso é bom, no fundo. Não vai ter ninguém aqui amanhã ou depois. Ninguém além de mim e a outra metade vazia da cama. A outra metade vazia do abraço. A outra metade vazia da conversa. Um vazio inteiro na íris.

Uma metade inteira pra ser preenchida.

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Sessão Três

Sim, feliz, felicíssima, aliás.

Acho que, no fundo, é muito mais uma questão aleatória de injeção de serotonina que qualquer outra coisa, mas sim, feliz.

Sabe que eu percebi que a coisa que eu mais gosto na minha semana é o grupo de estudos que eu faço? Há dois meses, há um mês e pouco, acharia isso tremendamente loser. Mas hoje é a atividade da semana que prefiro. Gosto de traduzir também. Bem mais que de revisar, que aliás, é o que tenho de fazer quando sair daqui.

Vim pra cá ouvindo "My sweet prince", conhece?

Never thought I´d get any higher
Never thought you´d fuck with my brain
Never thought all this could expire
Never thought you´d go break the chain

Antes me matava chorando quando ouvia isso. Hoje sorri, pensando no quão boba, quão infantil eu era. Me dói um pouco ter perdido isso. Por outro lado, talvez seja só mais um hímen mental. Sangra um pouco na hora, mas depois não faz mais diferença tê-lo ou não, a menos que você ache que um Deus onipotente e foda realmente se importa com sua película dérmica vaginal, como se Ele não tivesse mais absolutamente nada no que pensar.

Convenhamos, se realmente se importasse com isso, vaginas não seriam assim meio estranhas, e muito menos se chamariam vaginas. E agora a Wikipédia me diz que caracóis possuem hímens. Se algum evangélico me dizer que Ele se importa com a salvaguarda da virgindade dos caracóis, talvez eu acredite no humor divino. Mas por que não hão de ser castos os caracóis? Ah, os desígnios misteriosos aqueles.

Mas então que ouvi Placebo, e nada. Nada de resmungos, nada daquilo tudo. Amanhã começa o UFRGSMUN e sou China no UNSC. Quão melhor pode ficar?

terça-feira, 27 de outubro de 2009

Sessão dois e meio.

Às vezes a vontade é ficar num canto escondida de todo mundo,
de todas as perguntas "e ele? nunca mais se falaram? O que que houve, afinal?"
 e aí ter de explicar de novo de novo de novo, é, ele acabou comigo pelo
telefone, não, não sei porquê. Às vezes invento porquês pra me sentir
um pouco consolada, sabe, como se o fato de existir um motivo real
pra ele ter ido embora tornasse as coisas um pouco mais justas.

E aí o olhar de pena, e eu viro o copo e digo que estou bem,
bem melhor assim, imagina se durasse mais, ele acabaria
comigo por twitter, sempre digo rindo, mas agora, sabe,
tô tentando ir pra França, é, Savoie, ano que vem,
sim, viajar de novo, é minha resposta pra quando eu não sei
lidar com o que sinto, mas isso eu não digo, eu só sorrio
demonstrando minha enorme felicidade revigorada,
jovem-solteira-com-a-vida-inteira-pela-frente,
coloca um cabresto e fixa nisso, como se fosse possível.

Entro no orkut e vejo as atualizações. Ele aparece
tentando lamber os peitos de uma guria, bebendo
cerveja no meio da tarde. Penso em Savoie, nos
alpes franceses, no clima frio, me lembro de Genebra
e como é triste que os maiores prédios sejam todos de bancos,
que todo lugar é assim, mas em Genebra me doeu mais,
acho que por causa da proximidade imediata com a ONU e com
a Cruz Vermelha.

Mas se eu tento pensar o que eu esperava encontrar naqueles prédios,
não tenho resposta. Foi mais ou menos isso que aconteceu.

Sempre vai me doer. Mas se me perguntarem o que
eu esperava achar ali, não sei a resposta.

Sessão II:

Pra lá deste quintal, era uma noite que não tem mais fim.
E então eu vou embora e penso que nem devo pensar naquele cara lá, charme barato, eu mais barata ainda, um beijo na bochecha, toque de mãos na garrafa de cerveja, tudo que existiu. Tudo que poderia existir, e agora boa-noite, quarto, cama de casal, vida de solteira.

Mas penso. Tolice pura. Todas as histórias de amor são tolas, ou quase isso, cartas, histórias, tudo ficção e aneurismas mentais. Então eu saio à noite e penso que não existe, não existe nada daquilo. E aí fico com mais alguém, com mais ninguém, vestido curto e seletividade menor ainda. Se nada existe, é só consumação mesmo, e quero me acabar o quanto antes.

Mas, aí lembro do Caio F., falando "sim, eu estive lá, naquele terreno. Ele existe." Mas o Caio era uma bicha dessas que acreditam até na palma da mão, pai-de-santo, horóscopo, estrelas, destino, comunismo.

Como não acreditaria logo no maior entorpecente humano? E então é deixa pra lá, não existe mesmo, vai cuidar do teu lattes, vai dançar bêbada em algum canto da cidade que tudo isso passa. Mais um shot de tequila, sal, limão, todo o ritual.

E ainda assim, depois da noite, da vodca, dos drinques, das cervejas, das salivas, das conversas, das dores, dos cheiros, um gosto teima em continuar na boca. Meio amargo, meio amargurado, acho que é o formato novo do meu sorriso falso.

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Sessão Um: por que estou aqui?

http://www.youtube.com/watch?v=T5Xl0Qry-hA

I was five
and he was six
We rode on horses made of sticks
He wore black and I wore white
He´d always win the fight

Bang bang, he shot me down
Bang bang, I hit the ground
Bang bang, that awful sound
Bang bang, my baby shot me down

Seasons came and change the time
When I grew up, I called him mine
He´d always laugh and say
"Remember when we use to play?"

Bang bang, I shot you down
Bang bang, you hit the ground
Bang bang, that awful sound
Bang bang, I used to shoot you down

Music played and people sang,
Just for me the church bells rang.

Now he´s gone I don´t know why
And till this day, sometimes I cry
He didn´t even say goodbye
He didn´t take the time to lie

Bang, bang, he shot me down
Bang bang, I hit the ground
Bang, bang, that awful sound
Bang, bang, my baby shot me down


Quando começo a realmente estudar processo, a como auferir competências e conexões e a porcaria toda qu´il faut, cai uma folha com "Norwegian Wood" impressa de dentro do caderno. Eu realmente não saio mais de casa sem computador. I once had a girl, or should I say, she once had me. She showed me her room, isn´t it good, Norwegian Wood? Estava datada ainda, do tempo que as músicas tristes não faziam senão um sentido hipotético abstrato. Adriana Calcanhoto podia arranhar quantos discos quisesse pra ver se ela voltava, Nancy podia ser metralhada à vontade, e Norwegian Wood só era uma música bonita, a preferida da Naoko. Eu preferia a Midori, mas demorei até me interessar por Murakami de verdade. E jamais teria, não fosse o primeiro livro, primeiro presente, malditas dedicatórias e seus prazos de validade.



Na verdade, começou com o Miller, começou comigo e um livro comprado num sebo de Buenos Aires - todos los fuegos - el fuego, do Cortázar, que achei genial o primeiro conto, e aí dei pra ele sem nenhuma dedicatória, com uma pressa e um desleixo calculados. No fundo, vontade enorme de dedicar tudo que eu já tinha visto, pensado, escrito, sonhado, pra ele, naquele livro. Mas não escrevi nada. Rasguei na frente dele a parte onde tinha o preço escrito, lápis, quinze pesos, talvez menos, e entreguei. Morria de vergonha dele, morria de vergonha de mim lá, meio nua meio sem saber porquê, numa segunda-feira à tarde no quarto dele, alguma música que eu desconhecia tocando e aquele ar de superioridade cult que ele tinha e que não me permitia nenhuma aproximação ou conversa de verdade, daquelas sem merdas intelectuais e citações metidas à besta, conversas de um cara e uma guria depois do sexo numa segunda-feira à tarde. Nada daquilo, reentrâncias filosóficas, mofo existencial e uma garrafa de Polar antes de eu ter de sair pra UFRGS. A superficialidade daquilo, a profundidade calculada da voz, dos gestos, tudo me enojava um pouco, mas.


Tinha algo debaixo daquilo tudo. Algo que podia rir de bobagens, que podia dançar na frente do computador, que podia planejar a presença de Fernanda Zaffari no nosso casamento falido de abobados desiludidos com a universidade e sem futuro algum nos bolsos. À época, nada disso era verdade, e hoje talvez nem tenha sido mais. Mas na hora eu apostava nisso, apostava nisso e voltava, toda segunda, meio muda, meio contrariada, meio constrangida, não sabia bem o porquê, mas eu precisava ir e me morreria inteiro se não fosse.
Lembro quando ele disse "hoje não", motivo algum. Em três anos, não importava se affair, fuck buddy, namorada, o devir não mudava em nada o fato de que eu nunca mereci a explicação de motivo algum. Nem no começo, nem no fim. Mas ele disse hoje não, amanhã também não, nem depois, a gente se fala. Na sexta, a noite mais aleatória de todas, fiquei com o outro. O outro era bom, me levava pra almoçar e pro cinema, não parecia me achar estupidamente burra por nunca ter lido Stendhal ou saber quem eram os maiores nomes do teatro americano contemporâneo. Grande merda, até hoje não sei e, bem bairrista, gosto do Alabarse, falem o que quiser. Ria do que eu falava e brincava de fazer futuros, gentil e querido. Mas não era ele. E me doía o fato de que não podia ser o outro, eu tentei que fosse o outro, eu queria que fosse o outro e disse isso pra ele quando depois as coisas aconteceram daquele jeito estranho que as coisas acontecem.

um, dois, teste.

Inspirado um pouco na obra da artista plástica Camila Bezoim ("declarações de desamor"), um pouco no fato de eu não ter grana pra bancar um psicólogo decente pra ouvir minhas chorumelas, um pouco do fato de que as algumas coisas têm de ser ditas pra que parem de existir.


(Um pouco também pra eu não estar estudando processo civil).


Muito mais pra ser escrito que pra ser lido, então não prometo nenhuma qualidade,
só alguns gritos que faltam ser gritados pra perderem a voz;
alguns momentos deprê que precisam tornar-se escrita pra não se tornarem rotina,
e toda essa babaquice de quem acreditou demais pra se reter ao que era real.


Dor-de-cotovelo, dor do braço inteiro, como se quiser. Nada que valha sua leitura.