sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Sessão dez.




(The Dream, 1978)

Chagall, poeta das cores. Tons pulsantes, o sol vermelho na noite parisiense. Posso passar horas olhando pra seus quadros, mesmo se só pela internet. Só o vi em Buenos Aires no original. Lindo. Mesmo. Queria muito ter essa habilidade de transformar o que eu sinto, o que eu nem sei que sinto, em algo belo. Duas guerras mundiais, uma revolução bolchevique e mesmo assim quadros de uma esperança que suplanta a paleta do artista, que tem uma força motora que não sei se já vi em alguma outra obra. Um pintor que não se ateve à nenhuma escola para que se ativesse a ele mesmo e à sua principiologia. Há algo fauvista, há algo simbólico na arte de Chagall. Mas, sobretudo, há Chagall na arte de Chagall, e isso é cada vez mais raro. 

Esse quadro, então, tem uma beleza tão ingênua, tão esplêndida. O artista que sonha o casamento, que sobrepaira a Cidade das Luzes, está acima de tudo, enquanto vislumbra seu sonho, estar com a pessoa amada, e a profusão de cores que isso evoca. Em um tempo de sentimentos fluidos e a necessidade de consumo, de objetos e de pessoas, é tranquilizante, é restaurador ver uma cena assim. Um homem, uma mulher, um sonho comum. Ninguém mais tem sonhos, oras, o certo é ter objetivos e uma meta cronológica objetiva de como alcançá-los. Mas não para o casal. Não para o pintor deitado sob o céu de Paris, sonhando, sonhando simples e puramente, quase um pecado pós-contemporâneo. 

Paris entardece mais colorida porque ainda existe o que ser sonhado. Se a figura do sonhador, hoje, abre espaço para a do career-headed, o sonho ainda abre espaço pro impossível, que é a pós-graduação do "objetivo-a-ser-alcançado-em-dez-anos-com-margem-de-erro-de-dois-anos-para-mais-ou-para-menos". Não sei se desaprendi o suficiente para poder sonhar, mas olho pra Chagall e sei que existe algo maior que qualquer plano de carreira, algo que não se traça no papel, que se entrelaça nos olhos e é vivo mais porque é sentido do que descrito. Uma pintura de um sonho que é mais poderoso que as tantas vidas de papel em que me despejo, e volto a ser mais retina que currículo, mais grito que idioma. 

Chagall mistura versos e cores na sua paleta, pincela emoções como quem mexe a sopa. Transborda, mas não se rende à pressa da colher. O infinito é um sonho que adormeceu.

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