sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Sessão seis.

Quero morrer, bem rápido, uma facada, um tiro, done. Não que eu vá me matar, que suicídio dá muito trabalho, a carta, a faca. Que faca, que nada. Me mataria com heroína. Um sono só. Um bom sono e fim, nada de sufocar, de esvair sangue, de encher os pulmões de água. Mas não sou dessa geração junkie bitch aí, não saberia onde encontrar heroína. Verdade. Maconha uma ou duas vezes, ano de cursinho, não sabia o que fazer da vida e muito menos o que não fazer. Mas passou. Sempre preferi o mais cômodo. E o mais cômodo é continuar vivendo. Uns choros, umas esperanças estupradas, uns ocasos, uns acasos, umas histórias bonitas e pronto, a vida vai se arrastando. Ontem no meu malfadado assalto, a única coisa que me meteu medo foi terem pegado meu computador, este aqui onde escrevo, onde toda a minha vida acadêmica (uns poucos MB, nada inteligente, nada surpreendente, nada bom) seria perdida e muito provavelmente trocada por duas pedras de crak. Me assustei pensando que provavelmente não valia muito mais que isso mesmo. Mas se ele realmente tivesse algo embaixo da camisa, grande coisa. Eu ando com uma faquinha de serra na mochila, porque o hold  do meu ipod estragou, e agora tá sempre sempre on, a menos que eu enfie a faquinha e fique horas tentando achar o lugar certo pra desativar o hold por segundos, só até selecionar brani casuali , porque deixo o ipod em italiano porque nunca mais falei italiano por aí, e é uma merda esquecer quatro anos de noites de aula de italiano só porque não tenho com quem praticar, e florença é tão linda, devia ser proibido não conhecer a língua de uma cidade tão linda. Dizem que Veneza, é, eu sei, mas Veneza não deu tempo de eu conhecer. Mas aí que eu tinha uma faquinha de serra, mas foi um assalto, ou quase-assalto tão bobo que nem deu tempo de pensar em usar a faca, bastou ir caminhando pro outro lado.

Queria que tudo na vida fosse assim tão simples como a escapar do meu assalto idiota: caminhar pro outro lado, mesmo que a rua esteja vazia, pô, logo na reitoria às onze da manhã. Mas às vezes não dá. Não dá pra caminhar pro outro lado e deixar o assaltante, o destino, a sorte, o que for meio desnorteado com a tua reação que na verdade é uma não-reação, uma negação assertiva, uma vontade enorme de não caminhar mais pra lugar algum. Queria nunca querer voltar atrás, onde assaltantes e faquinhas de serra me aguardam, mas o querer do cérebro e o querer do corpo são tão diferentes. O querer da memória mente que a faca podia ser uma colher, que a arma podia ser só um jeito diferente de luz. O querer do corpo quer o contato, o contato que eu não posso mais senão. Vocês sabem, agora eu choro se encostam um pouco mais em mim. Ainda choro se me abraçam. Confesso. Primeiro porque eu desaprendi; puf. Fico ali rígida entre os braços do abraçante e não sei mais como reagir, como fechar os braços, como pressionar, como abraçar alguém e não lembrar daqueles abraços apertados, abraços estranhos, abraços constantes, abraços e carinhos e afagos que ninguém pode tirar de mim, mas que eu não sei mais reproduzir, e acho que nunca vou.

Não tenho mais nada do que eu era, e o que eu era há mais tempo eu nem lembro mais, e agora eu fico pendendo em braços, sem saber como abraçar de volta, não consigo mais brincar ou sorrir sem uma amargura ou uma ansiedade viral, olhos vidrados e um riso maquinal, terrível, doentio. Impossível alguém me aguentar por mais de cinco minutos nos dias de hoje, eu sei. Não sei de mais nada. Não sei mais como ser o elo passivo de um assalto, me recuso a entrar no jogo. Caminho pro outro lado quando der, e se não der, se não der eu fico parada, imaginando que talvez fosse possível andar pra trás, que os retrocessos são avanços temporãs. Mas não falo mais nada. Fico quieta e tento escutar algo que faça sentido. Mas aí é que o coração bate acima de todos os sons, de todos os conselhos e sensatezes, e não ouço nada senão aquele ritmo doentio dizendo que as coisas da terra a gente resolve com as unhas sujas, não com o terno totalitário da razão.

Vou ver a peça da Clarice Lispector. Aquele sotaque é tão lindo que dói. Aquela escrita é tão linda que dói.
Beijos, analista hipotético. Me condena logo à loucura pra eu ter mais certezas.

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