sábado, 31 de outubro de 2009

Sessão cinco

Então espero. Espero que ele surja na porta, abra caminho entre os outros e venha até mim. Me pega pela mão e me leva pra fora dali, onde me beija um beijo grosso, um beijo farto. Sem nenhuma palavra, nenhum olhar demorado. Ele vem, me busca e me tira dali e me beija e as coisas estão todas acertadas. Todas as coisas pelo resto da minha vida estão bem acertadas. Mas ele não vai entrar por porta alguma e fazer meu dia ser tão melhor porque talvez um dia ele possa surgir. Um dia, enquanto ainda namorávamos, encontrei-o na rua por acaso. Depois disso, passei um ano com esperanças de que ele aparecesse em cada virar de esquina, em cada uma e nunca perdia a fé, mesmo que ele nunca tenha aparecido de novo. Mesmo que ele surgisse por esta porta, não viria em minha direção e, se porventura, viesse, eu não o deixaria me levar pela mão. Não posso mais.

Antes eu ainda podia pensar em retornos, nos dias em que eu me sentia mais devastada, mais agonizante, aí imaginava que a gente se encontrava e de repente os rostos rompiam aquela distância em que tudo passa a ser permitido e as bocas se beijavam e os braços se apertavam e o corpo inteiro tremia e o estômago explodia e era permitido sentir de novo.

Mas dessa vez não. Dessa vez ele proibiu qualquer pensamento que remetesse ao retorno. Deixou claro que não é possível. Se tu voltar, não falo mais contigo - alguém chegou a me dizer. Ele te tirou pra idiota, não deveria nunca mais falar com ele depois disso - outro aconselha; graças a deus, bailalaika sábado, ainda uns colocam. Ele tirou de mim até a cogitação de qualquer retorno.  Não, não pode se reencontrar o que não teve o devido fim que enseja o reencontro. É inviável. É idiota, é não ter o mínimo respeito por ti, foi a coisa mais egoísta do mundo, amigos comentam. Concordo. Ele foi definitivo em terminar comigo: acabou completamente, destruiu tudo, tudo que sobrava de auto-estima, de dignidade, de ingenuidade, de esperança e, por que não? de amor.

Quer saber mesmo? Te culpo. Sempre te culpo. Todos os dias. Por cada festa ruim a que tu me obriga a ir pra te esquecer mais rápido, por cada idiota com quem eu fico pra tirar teu gosto da minha boca, por cada dia que eu não tenho a mínima vontade de levantar de manhã, e são todos, e tu sabia o quanto eu gostava das manhãs; pela minha tentativa de fuga desesperada; pelo meu mau humor constante; por cada cacófono que tu me obriga a escrever, por cada noite em que eu choro no carro, voltando sozinha pra casa; por cada pessoa que se parece contigo e então arruina o meu dia inteiro por parecer contigo; por cada lembrança que não vai embora, mesmo depois do álcool, mesmo depois da minha língua bater em alguma outra; pelos traumas que ficaram, por eu não conseguir acreditar que as pessoas relamente possam querer me ver, por eu sempre achar que tudo que todo mundo diz é mais uma desculpa pra não passar o feriado comigo. Nenhum feriado comigo. De preferência nem meio fim-de-semana. Te culpo no mínimo vinte vezes por dia. Acho que é pra te ter sempre presente no meu tribunal.

(Prêmio consolação por não poder mais te ter ao meu lado). Te culpo por isso também.

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